
Há três anos, a venda de um conjunto de 110 prédios no coração de Manhattan foi o maior negócio imobiliário da história -- hoje, é um ícone do estouro da bolha.
Numa cidade que, antes de qualquer coisa, é célebre por seus arranha-céus, o modesto conjunto de prédios de tijolos da foto ao lado nunca chamou lá muita atenção. Formado por 110 prédios, os condomínios Stuyvesant Town e Peter Cooper Village são um discreto refúgio da confusão de Manhattan. O complexo foi inaugurado em 1947 e era uma das raras alternativas viáveis de moradia para quem não ganhava muito dinheiro e, mesmo assim, fazia questão de morar no pedaço de terra com o metro quadrado mais caro dos Estados Unidos. Foi assim por quase seis décadas, até que esse plácido minibairro foi catapultado à condição de ícone da maior bolha imobiliária da história. Em outubro de 2006, a incorporadora Tishman Speyer comprou o complexo por 5,4 bilhões de dólares. Foi a maior aquisição da história do mercado imobiliário americano. Passados apenas três anos, já se pode dizer que o investimento foi um tremendo fiasco. O valor da propriedade caiu mais de 60%. Hoje, o dinheiro do aluguel pago pelos 25 000 moradores não cobre metade do serviço da dívida levantada para a aquisição. Nesse ritmo, segundo um relatório da agência de classificação de risco Fitch, a Tishman pode dar um calote nos credores até o fim do ano. Eis a distinção de Stuyvesant Town e Peter Cooper Village entre seus pares famosos -- é o mico imobiliário do século.
Em linhas gerais, as desventuras da Tishman Speyer repetem o famoso enredo da crise que afundou a economia americana. Milhões de pessoas compraram casas que não podiam pagar. Quando o mercado virou, essas casas acabaram valendo menos do que a dívida acumulada para financiá-las. A bolha, hoje se sabe, foi inflada pela ingênua ideia de que o preço dos imóveis só subiria. Espantosamente, o nada ingênuo empresário Jerry Speyer, dono da Tishman e de um patrimônio de 1,8 bilhão de dólares, também entrou nessa onda. Até 2006, o valor dos aluguéis em Manhattan vinha subindo num ritmo que beirava os 10% ao ano. A seguradora Met Life, então dona de Stuyvesant Town e Peter Cooper Village, decidiu aproveitar a euforia e colocou o complexo de 11 232 apartamentos à venda. Associada ao fundo de investimentos Blackrock, a Tishman não teve problemas para obter financiamento com Merrill Lynch e Wachovia -- dois bancos que, pouco tempo depois, se arrependeriam de suas ousadas apostas no mercado imobiliário. O raciocínio por trás do negócio era cristalino. Bastava transformar o refúgio de classe média num complexo de luxo e atrair os jovens endinheirados de Wall Street. O valor dos aluguéis, então, aumentaria. E os retornos seriam gordos. Era assinar e correr para o abraço.
Mas, como a história não se cansa de demonstrar, raciocínios cristalinos não são a menor garantia de negócios bem-sucedidos. No caso de Stuyvesant Town, tudo deu errado: cada uma das premissas que levaram a Tishman a gastar os 5,4 bilhões se provou furada. Para início de conversa, a crise dos últimos dois anos atingiu Nova York em cheio -- as demissões do setor financeiro levaram o índice de desemprego na cidade a 10,3%, maior que a média nacional. Com isso, o valor dos aluguéis (aquele que subiria para sempre) caiu até 25% nos últimos dois anos. Para atrair novos inquilinos, os proprietários estão sendo forçados a oferecer no mínimo um mês grátis àqueles dispostos a assinar contratos de um ano -- algo antes impensável. Mas não foi só isso. Uma batalha judicial movida pelos inquilinos de Stuyvesant Town multiplicou os já enormes problemas da Tishman Speyer. Cerca de 60% dos apartamentos do complexo têm o valor dos aluguéis regulado pela prefeitura. Ou seja, não seguem as variações do mercado. Com a bolha da última década, os apartamentos regulados ficaram ainda mais baratos. Um imóvel regulado de dois quartos em Stuyvesant Town custa 1 400 dólares mensais, menos da metade do preço de um apartamento idêntico e sujeito à lei da oferta e da procura. A Tishman planejava iniciar uma migração em massa de imóveis regulados para não regulados e embolsar a diferença. Mas essa migração, chave para fazer a aquisição dar dinheiro, está sendo muito mais difícil do que o previsto. Os inquilinos foram à Justiça para impedir a desregulamentação dos apartamentos. A Tishman foi derrotada em março e está recorrendo. "Com isso, qualquer expectativa de retorno para o investimento se perde de vez", diz Ben Thypin, especialista em mercado imobiliário da consultoria RCA Analytics.
O mico de Manhattan é um baque para a reputação da Tishman Speyer, uma das mais tradicionais administradoras de imóveis dos Estados Unidos. Em setembro, o bilionário Jerry Speyer foi eleito um dos "perdedores da semana" pelo jornal New York Post. Para piorar, a forma com que vem administrando Stuyvesant Town está colocando a Tishman em rota de colisão com milhares de moradores. Um blog criado por inquilinos não identificados tornou-se o canal favorito para reclamações -- que vão da água marrom que sai das torneiras ao aumento da violência. "Até o número de ratos cresceu", diz o presidente da associação de moradores, Alvin Doyle, que mora no condomínio desde que nasceu, em 1952. A brutal desvalorização do investimento e as brigas com os moradores são um problema para a imagem da companhia, que opera como um fundo e precisa, portanto, atrair investidores. A família Speyer afirma que, apesar de ter feito maus negócios no auge da bolha, tem um histórico de retorno de invejáveis 20% ao ano. A empresa administra empreendimentos avaliados em 35 bilhões de dólares no mundo, inclusive no Brasil.
Apesar de algumas evidências recentes de que o preço das casas finalmente parou de cair, o mercado imobiliário americano segue num momento de penúria. Contaminados pela mentalidade dos tempos da bolha, os americanos ainda não se convenceram de que os preços mudaram de patamar e devem permanecer assim por um bom tempo. O empresário Hugh Hefner, dono da revista PLAYBOY, teve um choque de realidade quando colocou sua mansão à venda. Ele queria 28 milhões de dólares. Teve de fechar negócio por 18 milhões. Para os analistas, o mercado imobiliário comercial é o que tem mais potencial para atrapalhar a economia americana nos próximos meses. Estima-se que prédios comerciais avaliados em 128 bilhões de dólares tenham parado de pagar suas dívidas ou quebraram. A própria Tishman Speyer já deu calote num investimento de 2,8 bilhões de dólares em Washington. Para evitar que Stuyvesant Town siga caminho semelhante, a empresa pretende renegociar a dívida e obter uma nova injeção de capital. Mas as coisas podem piorar antes de melhorar. Se a empresa perder a próxima etapa da disputa judicial com os inquilinos, ainda terá de pagar uma indenização milionária. "O valor pode superar 200 milhões de dólares", diz Alexander Schmidt, advogado dos moradores. A sentença deve sair nas próximas semanas.
Fonte: Portal Exame
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