sábado, 27 de março de 2010

Entrevista: algoritimo é “máquina de fazer dinheiro” no mercado

John Bates, criador do sistema Apama, aposta que em dez anos, todo os negócios no mundo sejam feitos por meio de sistemas similares
Foto: Divulgação

Bates: risco do mercado vai aumentar
SÃO PAULO - O tempo que um operador de mercado leva para receber uma informação em seu sistema de broadcast, tomar uma decisão e executar a ordem de compra ou venda de determinado ativo é, para os meros mortais, algo completamente aceitável.

Mas para grandes investidores, que operam valores tão suntuosos e que, por isso, encontram em unidades menores do que centavos a fonte de lucros gigantescos, cada segundo — ou melhor, milissegundo — conta. E muito.

Com base nesse potencial nicho de mercado que, há cerca de dez anos, o britânico John Bates, da Progress, criou um programa com base em algoritimos. O sistema consiste em, basicamente, dar ordens de “stop” — aquele mecanismo do home broker no qual o investidor determina que, assim que a ação bater determinado valor, deve ser colocada para venda ou compra imediatamente — em escala elevada, como forma de permitir ganhos com arbitragens. E sem risco de erro ou “demora” humana.

Contudo, a plataforma traz algumas dúvidas: a volatilidade tende a ser intensificada? O pequeno investidor sofrerá consequências dessa provável maior oscilação? E o operador, chamado de trader, pode ser prejudicado?

Mesmo diante dessas questões, Bates classifica carinhosamente seu invento como “máquina de fazer dinheiro”. Ele esteve no Brasil na semana passada para apresentar o software, chamado Apama, para diversos clientes em potencial. Foi nesse período que o especialista deu uma entrevista exclusiva ao FinancialWeb.

Atualmente, a Progress conta com cinco clientes, entre eles as corretoras Agora e Finabank. Em um ano e meio, pretendem ter cerca de 15. Na avaliação de Bates, em cerca de dez anos, praticamente todas as negociações, no Brasil e no mundo, serão feitas via sistemas como o Apama.

Confira abaixo a íntegra da conversa.

FinancialWeb: Como o sistema de algoritimo funciona?
John Bates: Em vez de ter uma manual trader, um ser humano sentado em frente da tela vendo os movimentos do mercado, e dando ordens, encontrando bons preços, os algorítimos monitoram todas as informações sobre mudanças, na BM&F Bovespa e em outros mercados. É um padrão que indica especificamente as oportunidades e que, automaticamente, coloca as ordens no mercado.

FW: Como isso permite maiores ganhos?
JB: O principal é fazer dinheiro pelos algoritmos, criando padrões. Como, por exemplo acompanhar duas ações em mercados diferentes e sua correlação, e quando essa correlação muda, comprar aqui e vender lá em busca da diferença de preço — o que é conhecido como arbitragem. Essa oportunidade pode sumir em questão de segundos, mas o algarítimo permite que isso seja feito milhares de vezes por dia. Esses padrões mudam muito rapidamente, e é por isso que é preciso ter esse olho eletrônico para capta-las o mais rápido possível. É possível ver pessoas fazendo bilhões de dólares por dia com esse sistema. É uma máquina de fazer dinheiro, é essa a ideia.


FW: A ferramenta, portanto, substitui o trader?
JB: Não necessariamente. O que acontece é que ele vira mil vezes mais produtivo em sua função. Você só tem dois olhos e duas mãos, como um humano. E demora cerca de 30 milissegundos o impulso da informação que chega ao seu olho e a resposta de seu corpo para pressionar o teclado, por exemplo. Em menos de um milissegundo, o sistema de alogarítimo faz mil operações. Então cada humano é mil vezes mais produtivo e competitivo nas oportunidades de negócios.


FW: Mas, de qualquer forma, as corretoras não vão mais precisar tanto desses operadores, certo? Eles poderão ser substituídos pelo programa...
JB: Eu diria que é o desenvolvimento do trader. Os mercados não eram eletrônicos antes. Ficava o operador na Bolsa, vestindo um colete e gritando números. Quando o mercado ficou eletrônico, alguns desses operadores evoluíram para estarem compatíveis ao novo modelo. E outros, talvez, tornaram-se motoristas de táxi. Então, é desse jeito que funciona. Nesta situação, alguns traders vão evoluir e vão virar arquitetos de estratégias. Em vez de ser uma pessoa que apenas coloca as ordens no sistema, sua atividade será muito mais valiosa.

FW: A corretora ganha mais com corretagem por esse sistema? É possível dizer quanto?
JB: Não é só em aumentar os volumes de ganho, mas também aumentar o número de clientes, com novas ofertas. E esses novos clientes vão negociar mais, porque eles usarão a capacidade oferecida. O que vemos no resto do mundo é que pode aumentar o número de compra dos clientes, e o volume negociado vai aumentar ao longo dos anos em termos de transação.

Em paralelo, essa implementação de infraestrutura vai reduzir o tempo das operações e, consequentemente, os custos – que são muito grandes.

Um dos propósitos do algoritmo é diminuir ordens grandes em ordens menores para serem recolocados de forma inteligente no mercado, impedindo que as pessoas vejam o tamanho de sua ordem. Se as pessoas virem ordens muito grandes, tentarão fazer o possível para reduzir o preço. Eu acho que o que pode acontecer são as corretoras dobrando o número de compras.

FW: Esse sistema estará disponível para os pequenos investidores?
JB: Sim, na verdade é algo que os nossos clientes estão procurando. Você pode pensar que é difícil para uma pessoa [operar com o sistema], mas olhando o portfolio de investimentos no mercado brasileiro, uma grande parte desses volumes vem de indivíduos ricos. Pessoas com grandes fortunas e que querem fazer suas negociações. E muitos estarão interessados e aptos a utilizar o sistema.

Não é complicado, na verdade, pode ser tão fácil quanto usar o teclado de um computador — é só colocar as informações. É só criar um parâmetro acompanhar o que o sistema está fazendo, sendo que você pode ajusta-lo e até mesmo começar um novo. Então, não precisa construir o algorítimo, mas apenas utilizar o padrão.

FW: Como o sistema influencia nos momentos de alta e de baixa do mercado?
JB: A volatilidade do mercado é muito interessante. Os mercados ficaram mais voláteis nos últimos anos, principalmente depois de novembro [passado, com o repique da crise financeira internacional]. Muitas pessoas estão vendo nessa crise uma oportunidade, e negociam em cima do “azar de outra”. Os sistemas não criaram a volatilidade, apenas a fizeram mover mais rápido. E acentuaram os picos e quedas.

Se todos tivessem o mesmo algoritimo, não haveria volatilidade, os investidores não fariam dinheiro e, na verdade, seria muito chato. É como a guerra fria, quando a Rússia e os Estados Unidos se desafiavam o tempo todo.

FW: Mas esse aumento de volatilidade traz mais risco...
JB: Realmente traz mais risco potencial, porque se você tem mil transações a mais, estará mil vezes mais exposto ao risco. O sistema dá uma visão em tempo real do risco, mas também protege seu trading, porque é possível bloquear a perda. O algorítimo pode ser ainda mais seguro.

FW: Isso para o investidor que usa o algorítimo. Mas para o que não usa, aumenta o risco, certo?
JB: Sim. Por exemplo: definitivamente, vai ser mais arriscado para pessoas sem essas ferramentas. Acho que é por causa desse ponto crítico que as empresas estão avaliando sobre não ter o sistema. Podemos citar o caso do Societè Generale, que no ano passado perdeu cerca de US$ 6 bilhões. Uma única pessoa, em uma única operação, perdeu isso por conta de um erro. Isso não teria acontecido se tivesse um sistema parecido, porque haveria visão de todas as negociações em toda a instituição.

Muitas agencias reguladoras ao redor do mundo estão preocupadas com as transações eletrônicas, muito atentas a abusos que podem ser cometidos, como insider trading ou manipulação do mercado de muitas maneiras. Vai haver menos disso.

FW: Qual o principal desafio de trazer o sistema para o Brasil?
JB: A latência [tempo em que uma ordem demora para ser computada] da Bovespa no mercado de ações. Em outros mercados acho que o Brasil sabe que está em uma posição de liderança. O principal desafio é a infraestrutura.

Há muitas empresas dos estados Unidos e da Europa que querem operar aqui, mas não conseguem por causa do preço. E as duas coisas vêm juntas: quanto mais as transações aumentarem, menor será o custo. [Em relação a produtos], aqui não temos tantas oportunidades quanto lá fora, como bonds e moedas. Isso mudará, haverá mais evolução e as pessoas vão negociar mais moedas e bonds.

Estamos muito interessados no Brasil. O time local é fantástico
Fonte: Financialweb

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